Adriene Maciel, Bernadete Menezes, Carlos Alberto Gonçalves e Liliane Giordani
ntistas, ambientalistas e lideranças indígenas vêm alertando há anos que estamos nos encaminhando rapidamente para uma situação de agravamento da crise socioambiental. A tragédia no Rio Grande do Sul é um sinal de que essa crise ganha proporções cada vez maiores. Este não é um fenômeno isolado, muito menos nacional. Neste momento, inundações e alagamentos têm ceifado vidas e bens de comunidades no Afeganistão e no Quênia, como em Hong Kong, Líbia, Grécia.
Este quadro exige providências urgentes e mudanças profundas em nosso modo de produção, nas relações de trabalho e, principalmente, em nossa relação com a natureza, em benefício de um crescimento que esteja aliado ao desenvolvimento sustentável. Para qualquer planejamento de reconstrução do estado, considerando a população atingida, as centenas de municípios afetados, a produção de alimentos, a estrutura de estradas e pontes e tantos outros fatores implicados, é indispensável adotarmos novos pressupostos que guiem nossas ações, e dentre eles destacamos:
Democracia por meio da construção coletiva nos processos necessários à reconstrução.
Redução das desigualdades econômicas e sociais.
Preservação e defesa do meio ambiente.
Transparência nas ações e nos gastos.
Prevenção de desastres.
A iniciativa do Governo Lula de suspender a dívida do estado com a união por 3 anos, embora seja um passo inicial, não é suficiente para tamanho impacto que sofreu o Rio Grande do Sul. Em 2028, quando a suspensão se encerrar, nosso estado ainda estará sofrendo os impactos desta enchente, se fazendo, portanto, necessária a anulação total da dívida.
Na reconstrução, a principal chave está no Planejamento e na Cooperação entre a população gaúcha e o Estado brasileiro. Não será a iniciativa privada, muito menos a regulação do mercado, que poderá projetar um novo e necessário horizonte social e ambiental. Há medidas que, consideramos, em curto e médio prazos, constituem ações fundamentais para a reconstrução do Rio Grande:
No curto prazo:
Criação de um comitê popular que coordene e controle as novas demandas e ações, juntamente com os governos Federal e Estadual e com representantes dos setores de defesa públicos, universidades/IFs, Conselhos de Saúde e Educação, Congresso Nacional, entre outros.
Continuidade às medidas de resgate, acolhimento e proteção da comunidade gaúcha, qualificando a atuação de uma coordenação que estabeleça redes de parceria com as Universidades da região sul.
Fortalecimento do Estado e dos serviços públicos nas áreas de assistência, direitos humanos, saúde, educação, habitação e segurança pública.
Construção imediata de hospitais de campanha em todo o estado para enfrentar as doenças decorrentes das enchentes.
No médio prazo:
Suspensão de toda a legislação que tem viabilizado a alteração destrutiva do meio ambiente (desmatamentos, destruição de matas ciliares e de nascentes, monoculturas em grande escala, etc.) até que seja elaborada uma nova legislação adequada ao grau dos desastres iminentes.
Controle social dos planos e da utilização das verbas no processo de reconstrução: esta reconstrução deve ser feita por meio de cooperativas de trabalho, e não de construtoras tradicionais, e deverá seguir normas socioambientais adequadas respeitando características de cada local, identidades e cultura.
Transparência nas ações governamentais, com destaque para a participação efetiva da sociedade através de entidades representativas e sindicais na administração de recursos vindos por meio do Pix em campanhas de ajuda humanitária lançadas pelo governo estadual.
Medidas econômicas:
A reconstrução levará anos e a ajuda do Governo Federal e dos BRICS, embora significativa, será insuficiente. Portanto, será necessário discutir parte das reservas internacionais do Brasil para essa finalidade.
Suspensão da Lei Kandir. Os benefícios fiscais concedidos por essa lei prejudicaram os cofres dos estados exportadores de matérias-primas, como é o caso do RS. É necessário impor uma Medida Provisória que suspenda a Lei Kandir até a implementação de um plano de manejo agropecuário sustentável.
Fim das isenções fiscais para grandes corporações de petróleo e gás. É urgente que essas empresas sejam taxadas e que os recursos arrecadados sejam destinados ao fortalecimento do SUS e da educação pública.
Como trabalhar e gerar tranquilidade dentro do turbilhão de tarefas sobre as quais devemos nos debruçar? Fundamental será a escuta atenta de quem tem estudado e trabalhado por anos em pesquisas e proposições para estas crises. Não são necessárias soluções espetaculosas. Muito conhecimento já está à disposição da sociedade e do poder público.
A utilização das experiências e saberes das universidades públicas, em especial da região sul, é crucial, pois é a nossa via criativa e producente para pensarmos no processo de reconstrução do nosso estado, observando, além das características climáticas, de relevo e de vegetação, as nossas culturas locais. O Rio Grande do Sul irá se reerguer como sempre fez, com o conhecimento de nossas Universidades e com a força do povo.
Artigo publicado originalmente no Sul21
Integrantes do Movimento Virada UFRGS